Mesmo com queda de ditadores, especialistas acreditam que reconstrução dos estados passará pelo crivo de uma longa caminhada
Ao longo dos últimos meses, rebeldes líbios, egípcios e tunisianos derrubaram regimes ditatoriais que, há décadas, cerceavam o acesso à democracia, à liberdade e aos direitos humanos.
Após 24 anos, o primeiro-ministro tunisiano Zine Ben Ali deixou o poder em janeiro. O militar egípcio Hosni Mubarak, ao perder o apoio dos militares e sofrer as pressões de protestos na Praça Tahir, renuncia ao cargo que ocupava há mais de 30 anos. E, por fim, em agosto, o coronel líbio Muammar al-Gadaffi, no comando do país há mais de 40 anos, cede às pressões da guerra civil e deixa a capital Trípoli.
Contudo, mesmo em um cenário de seguidas vitórias da Primavera Árabe, é imenso o desgaste institucional e político dessas nações. Para especialistas, estabilização e reconstrução nacional são dilemas que estão longe de serem solucionados e que, assim, apontam no sentido de uma longa caminhada a ser percorrida.
Vazio político
Samy Adghirni, repórter do caderno Mundo do jornal Folha de S. Paulo, é especialista nos conflitos do mundo Árabe e já acompanhou as tensões políticas de países como Iraque, Irã, Iêmen e Egito.
Esteve recentemente na Líbia acompanhando o avanço de rebeldes rumo à Trípoli naquela que seria a manobra definitiva para a queda do regime de Gadaffi. Em meio a depoimentos que retratam o cenário agonizante, repleto de desrespeitos às normas do Direito Internacional Humanitário, ele se coloca de maneira pessimista perante o processo de recuperação do país.
“Será muito dolorosa [a estabilização] no caso da Líbia, que é um país sem instituições. A Líbia era o Gadaffi e ponto. Ele mandava e desmandava, fazendo da lei algo completamente relativo. Não tem sistema judiciário, não tem sindicato, não tem imprensa, não tem arte, não tem cultura, não tem nada”.
Sob esse parâmetro, Adghirni avalia que a reconstrução de países como a Tunísia e o Egito será muito mais simples do que na Líbia, justamente porque neles há “instituições sólidas”. “Alias”, ele completa, “foi uma instituição no Egito e na Tunísia que foi o fiel da balança: o exército. Os ditadores caíram a partir do momento em que o exército retirou seu apoio”.
A seu ver, instituições fortes seriam inclusive uma das razões pelas quais alguns regimes não cedem mesmo frente a levantes populares. “No caso da Síria, Bashar al-Assad não caí porque o exército continua ao lado dele. Claro, houve muita deserção, mas o exército ainda assim o apóia”.
Um Egito sem rio
Christian Lohbauer, membro do Grupo de Análises da Conjuntura Internacional da USP, o GACInt, considera a importância de se tomar as particularidades de cada caso e de não homogeneizar a Primavera Árabe.
Além de estruturas sólidas, Lohbauer acrescentaria ao caso tunisiano “uma modernidade cultural bem acentuada” que tem corroborado com “passos enormes” no sentido da estabilização.
Já no que diz respeito ao Egito, a situação é bem mais delicada. Christian fala de um país “de excluídos, inserido em um cenário de privilégios concedidos a uma minoria, e que tem como governo de transição democrática uma junta militar” – algo próximo do que Samy chama de estado de “convulsão”.
Quanto à Líbia, mais uma vez o que prevalece é seu vácuo institucional. Lohbauer reforça que “a Líbia já é uma referência de país dividido desde os tempos do Império Romano, há mais de dois mil anos atrás. Trata-se de um país desabitado. Um Egito sem rio”.
Ele ressalva, contudo, que o mundo moderno vive de maneira ágil. A Líbia possui boas reservas petrolíferas que não foram afetadas pelos conflitos e sua revolução nasce em Benghazi, com o povo – “ou seja, há espaço para se erguer a nação”. “Além do mais, no caso líbio”, ele conclui, “não há nenhum impedimento cultural como o que se percebe no Afeganistão, um país aonde ainda predominam as assembleias tribais”.
Ao longo dos últimos meses, rebeldes líbios, egípcios e tunisianos derrubaram regimes ditatoriais que, há décadas, cerceavam o acesso à democracia, à liberdade e aos direitos humanos.
Após 24 anos, o primeiro-ministro tunisiano Zine Ben Ali deixou o poder em janeiro. O militar egípcio Hosni Mubarak, ao perder o apoio dos militares e sofrer as pressões de protestos na Praça Tahir, renuncia ao cargo que ocupava há mais de 30 anos. E, por fim, em agosto, o coronel líbio Muammar al-Gadaffi, no comando do país há mais de 40 anos, cede às pressões da guerra civil e deixa a capital Trípoli.
Contudo, mesmo em um cenário de seguidas vitórias da Primavera Árabe, é imenso o desgaste institucional e político dessas nações. Para especialistas, estabilização e reconstrução nacional são dilemas que estão longe de serem solucionados e que, assim, apontam no sentido de uma longa caminhada a ser percorrida.
Vazio político
Samy Adghirni, repórter do caderno Mundo do jornal Folha de S. Paulo, é especialista nos conflitos do mundo Árabe e já acompanhou as tensões políticas de países como Iraque, Irã, Iêmen e Egito.
Esteve recentemente na Líbia acompanhando o avanço de rebeldes rumo à Trípoli naquela que seria a manobra definitiva para a queda do regime de Gadaffi. Em meio a depoimentos que retratam o cenário agonizante, repleto de desrespeitos às normas do Direito Internacional Humanitário, ele se coloca de maneira pessimista perante o processo de recuperação do país.
“Será muito dolorosa [a estabilização] no caso da Líbia, que é um país sem instituições. A Líbia era o Gadaffi e ponto. Ele mandava e desmandava, fazendo da lei algo completamente relativo. Não tem sistema judiciário, não tem sindicato, não tem imprensa, não tem arte, não tem cultura, não tem nada”.
Sob esse parâmetro, Adghirni avalia que a reconstrução de países como a Tunísia e o Egito será muito mais simples do que na Líbia, justamente porque neles há “instituições sólidas”. “Alias”, ele completa, “foi uma instituição no Egito e na Tunísia que foi o fiel da balança: o exército. Os ditadores caíram a partir do momento em que o exército retirou seu apoio”.
A seu ver, instituições fortes seriam inclusive uma das razões pelas quais alguns regimes não cedem mesmo frente a levantes populares. “No caso da Síria, Bashar al-Assad não caí porque o exército continua ao lado dele. Claro, houve muita deserção, mas o exército ainda assim o apóia”.
Um Egito sem rio
Christian Lohbauer, membro do Grupo de Análises da Conjuntura Internacional da USP, o GACInt, considera a importância de se tomar as particularidades de cada caso e de não homogeneizar a Primavera Árabe.
Além de estruturas sólidas, Lohbauer acrescentaria ao caso tunisiano “uma modernidade cultural bem acentuada” que tem corroborado com “passos enormes” no sentido da estabilização.
Já no que diz respeito ao Egito, a situação é bem mais delicada. Christian fala de um país “de excluídos, inserido em um cenário de privilégios concedidos a uma minoria, e que tem como governo de transição democrática uma junta militar” – algo próximo do que Samy chama de estado de “convulsão”.
Quanto à Líbia, mais uma vez o que prevalece é seu vácuo institucional. Lohbauer reforça que “a Líbia já é uma referência de país dividido desde os tempos do Império Romano, há mais de dois mil anos atrás. Trata-se de um país desabitado. Um Egito sem rio”.
Ele ressalva, contudo, que o mundo moderno vive de maneira ágil. A Líbia possui boas reservas petrolíferas que não foram afetadas pelos conflitos e sua revolução nasce em Benghazi, com o povo – “ou seja, há espaço para se erguer a nação”. “Além do mais, no caso líbio”, ele conclui, “não há nenhum impedimento cultural como o que se percebe no Afeganistão, um país aonde ainda predominam as assembleias tribais”.