segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Sobre autores atores




“ – (...) Mas não te esqueças de que sou um romancista, eu explico as personagens.
– E eu, como dramaturgo, deixo que elas se expliquem.”






Jorge Andrade sempre se intitulou um dramaturgo-jornalista. O convite para colaborar com a revista que talvez mais tenha marcado o jornalismo brasileiro no século XX, a Realidade, caiu-lhe como uma luva. Aquela já se fazia uma década permeada pelas mãos dos gorilas dos anos de chumbo e a proposta de revelar a arte que persistia sob a égide da repressão lhe extasiava. A Liberdade será sempre a minha causa - o título conferido ao perfil do qual foi sacado o excerto acima é prova de um ânimo que se sobrepunha a qualquer hipótese de censura.
No mês em que este blog inicia suas atividades, o diálogo de Andrade com Érico Veríssimo nos lança um dilema-chave. Se, ao escritor, Veríssimo atribui o mister de explicar personagens enquanto que, por outro lado, ao dramaturgo, Andrade confere condição passiva, deixando que estas próprias se constituam, não se atribuiriam a ambas perspectivas um caráter jornalístico? Ora, o lapidar dos fatos em notícias (o que nomeamos apuração) demanda dois procedimentos básicos – a coleta de visões e, a partir delas, sua disposição de acordo com as premissas éticas, ideológicas e editoriais assumidas.
Andrade veio a se considerar Jornalista tardiamente, sem que talvez lhe ocorresse que há muito já se comportava como tal. Em deixando que as partes constituintes de um enredo se explicassem, nada mais fazia do que permitir que sua realidade palpável o tomasse por completo. Ele sabia que, qualquer a significação, esta não existia além de si próprio e que, portanto, a elas deveria se entregar. Veríssimo, por sua vez, nunca se declarou um membro da imprensa; mas, como escritor ansioso por “acender a lâmpada” de seu leitor, igualmente jamais subverteu a lógica construcionista da percepção humana. Tal qual Repórter, ele possuía plena consciência de que suas visões jamais seriam absolutas, de que jamais ultrapassariam os limites de uma interpretação oriunda de seu universo sensível.
Vem dos 10 dias que o autor de O Labirinto passou ao lado de Érico Veríssimo a seguinte frase: “é no disfarce que o escritor mais se revela”. Sim, Érico e Jorge, é nesse mesmo disfarce que o jornalismo também busca revelar.


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Sugestão bibliográfica: Labirinto, de Jorge Andrade - Editora Amarilys

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